A Lei Raduan, O Breve, é um exemplo clássico de “ teratologia”, termo usado no meio jurídico para designar normas que afrontam princípios constitucionais, como o da moralidade, por exemplo. No vocabulário comum, trata-se de uma anomalia — ou, como muitos descrevem, uma verdadeira monstruosidade jurídica. E pode ser legal, mas é claramente imoral

Desembargador Raduan Miguel Filho, presidente do Tribunal de Justiça de Rondônia e governador em exercício do Estado: ele não precisa de muito tempo no cargo para causar um estrago danado
A promulgação da lei de autoria do desembargador Raduan Miguel Filho, presidente do Tribunal de Justiça de Rondônia e, no momento, no exercício do cargo de governador do Estado, evidencia que não é preciso muito tempo para produzir um dano de longo alcance quando se tem o poder da caneta. A iniciativa expõe um magistrado utilizando a autoridade temporária à frente do Executivo para permitir o uso de recursos públicos em favor de privilégios destinados a um grupo seleto de autoridades, no caso, de ex-autoridades.
A nova norma concede a ex-governadores o direito a quatro policiais militares, dois motoristas e dois carros oficiais por quatro anos após o término do mandato — benefício integralmente custeado pelo erário. O projeto, elaborado pelo próprio desembargador e encaminhado à Assembleia Legislativa, foi aprovado em regime acelerado, sem debate público ou análise aprofundada. A medida reproduziria iniciativas semelhantes já declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. Para evitar o mesmo desfecho, o texto limita o benefício ao período de quatro anos, em vez de torná-lo vitalício, como ocorreu em legislações anteriores derrubadas pela Corte.
A Lei Raduan, O Breve, é um exemplo clássico de “ teratologia”, termo usado no meio jurídico para designar normas que afrontam princípios constitucionais, como o da moralidade, por exemplo. No vocabulário comum, trata-se de uma anomalia — ou, como muitos descrevem, uma verdadeira monstruosidade jurídica. E pode ser legal, mas é claramente imoral.
Na mensagem enviada aos deputados, Raduan argumenta que o benefício não seria um privilégio e que apenas seguiria parâmetros federais aplicados a ex-presidentes da República. A justificativa, contudo, contrasta com a realidade estadual: Rondônia não possui precedentes que sustentem tal necessidade, e o aparato previsto supera, em alguns casos, a estrutura destinada a pequenas localidades abandonadas nos rincões rondonienses.
Outro trecho da mensagem chama atenção ao afirmar que a medida respeita o contribuinte por limitar o gasto a quatro anos, e não de forma permanente. Ainda assim, não é preciso ser um nobel de economia para intuir que a manutenção desse aparato pode gerar custos significativos ao Estado, que já enfrenta pressões orçamentárias em áreas essenciais como saúde, segurança pública e infraestrutura.
A aprovação acelerada, sem discussão e marcada por evidente conflito de interesses, reforça a percepção de que a medida atende mais a conveniências pessoais e corporativas do que ao interesse público. Em um Estado que convive com desafios estruturais e sociais, a criação de mecanismos para sustentar ex-autoridades perpetua práticas de uma lógica patrimonialista ainda presente no sistema político.
Ao priorizar uma lei que amplia benefícios a quem já acumula privilégios, o governo interino de Raduan Miguel Filho projeta uma imagem de distanciamento das necessidades reais da população. Agora em vigor, a norma deve ser alvo de questionamentos judiciais e tende a inaugurar mais um capítulo no embate entre a manutenção de privilégios e a defesa do erário.
créditos;RUBENS COUTINHO/EDITOR DO TUDORONDONIA