Gesto supremacista na Eurocopa gera tensões entre Turquia e Alemanha

Gesto supremacista na Eurocopa gera tensões entre Turquia e Alemanha


Governo alemão convoca embaixador turco para dar explicações após manifestação de jogador da seleção turca; Ancara acusa autoridades alemãs de ‘xenofobia’

Porto Velho, RO - O governo da Alemanha convocou nesta quinta-feira 4 o embaixador da Turquia em Berlim para dar explicações a respeito do gesto feito por um jogador da seleção turca em uma partida da Eurocopa em Leipzig.

Ao comemorar o gol da vitória contra a Áustria nas oitavas de final do torneio de seleções da Europa, o zagueiro Merih Demiral fez um gesto com as mãos imitando um lobo, em uma suposta referência ao grupo ultranacionalista turco de extrema direita conhecido como Lobos Cinzentos.

O grupo possui associações com a sigla radical Partido do Movimento Nacionalista (MHP) da Turquia. O gesto é proibido na Áustria, mas não na Alemanha, onde se discute a possibilidade de bani-lo.

“Tratamos do incidente hoje com o embaixador turco em Berlim”, disse uma porta-voz do ministério alemão do Exterior. A pasta instou o embaixador Ahmet Başar Şen a tomar medidas para que a cena não volte a se repetir. A conversa ocorreu no dia seguinte à convocação do embaixador alemão pelo governo turco em Ancara.

O gesto de Demiral foi criticado pela ministra alemã do Interior, Nancy Faeser, assim como outras lideranças políticas da Alemanha e entidades de direitos humanos. “Usar torneios de futebol como plataforma para o racismo é completamente inaceitável” disse Faeser, em postagem no X.

Ela pediu à União das Associações Europeias de Futebol (Uefa) – organizadora da Eurocopa realizada na Alemanha – a abertura de um inquérito e uma avaliação sobre possíveis punições ao jogador turco.

Nesta quarta feira, a Uefa informou que Demiral será punido com dois jogos de suspensão, o que o deixará de fora da partida entre Turquia e Holanda pelas quartas de final da Eurocopa, no próximo sábado.

Turquia acusa autoridades alemãs de “xenofobia”

Após a vitória contra a Áustria, Demiral atribuiu o gesto à sua “identidade turca” e disse não haver nenhum outro significado, tampouco alguma mensagem secreta. “Também vi pessoas no estádio fazendo o gesto. Somos todos turcos; sou muito orgulhoso de ser turco, é isso que o gesto representa. Eu quis demonstrar o quanto estou orgulhoso e feliz.”

Na Turquia, o líder do MHP Devlet Bahceli classificou de “provocação” a abertura de procedimentos por parte da Uefa para punir Demiral.

O ministério turco do Exterior disse que a investigação é inaceitável, e que nem todas as pessoas que fazem o gesto dos Lobos Cinzentos podem ser classificadas como extremistas de direita. A pasta considerou como “xenófobas” as reações das autoridades alemãs ao gesto feito pelo jogador.

Segundo relatos na imprensa turca e alemã nesta quinta-feira, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, modificou seus planos de viagem e incluiu uma escala em Berlim para assistir à partida entre Turquia e Holanda na noite de sábado – decisão que teria sido tomada em reação à controvérsia em torno do gesto de Demiral. A assessores, o líder turco teria dito que deseja apoiar a equipe de seu país.

A comunidade turca é a minoria mais numerosa na Alemanha, com 1,54 milhão de pessoas, além de 1,4 milhão de cidadãos alemães de origem turca. O bom desempenho da seleção turca na Eurocopa gerou reações emocionadas de multidões de turcos em todo o país.

Quem são os Lobos Cinzentos

Autoridades alemãs classificam a ideologia do grupo como ultranacionalista, antissemita e racista. Seus membros são hostis a pessoas de origem judaica, curda, armênia e cristã, e acreditam na superioridade da nação turca.

No passado, membros dos Lobos Cinzentos cometeram atos violentos, inclusive assassinatos, particularmente nos anos 1970. Segundo o Departamento de Proteção da Constituição (BfV) da Alemanha – a agência de inteligência interna do país – o objetivo da organização é estabelecer um Estado homogêneo de todos os povos túrquicos (aqueles que utilizam línguas turcomanas) sob liderança turca, dos Bálcãs ao oeste da China.

Há duas correntes principais dentro dos Lobos Cinzentos. A primeira são os apoiadores do MHP, e a outra, os membros do Partido da Grande União (BBP), de tendência extremista.

Torcida da Áustria entoa cantos xenófobos

No dia da partida contra a Turquia em Leipzig, imagens de uma emissora de televisão suíça mostraram torcedores austríacos na rua entoado cantos racistas e de extrema direita que diziam “Alemanha para os alemães” – um slogan da era nazista – e “fora, estrangeiros”, sobre a melodia da música L’amour toujours. A polícia de Leipzig deu início a investigações sobre o caso.

O canto racista se tornou mais conhecido após um vídeo de um grupo de jovens entoando as mesmas frases na ilha de Sylt, no norte da Alemanha, circular nas redes sociais. Apesar da onda de condenações aos jovens de Sylt, vários outros incidentes com a mesma música ocorreram na Alemanha. A canção está proibida de ser executada em festivais e foi banida da Eurocopa.

A Associação Austríaca de Futebol (ÖFB) queria que L’amour toujours – obra de um DJ italiano – fosse tocada nos estádios após as vitórias austríacas no torneio europeu, o que foi rejeitado pela Uefa.

O jogador da seleção austríaca Michael Gregoritsch comentou sobre o caso em entrevista a uma emissora de seu país: “Devemos nos distanciar de ideologias de extrema direita e saber o quanto é importante sermos todos iguais, que estamos todos aqui por nosso país”. O treinador da equipe, Ralf Rangnick, também se pronunciou durante o torneio contra o crescimento da extrema direita na Europa.

Fonte: Carta Capital

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