Barack Obama: o primeiro negro na Presidência dos EUA

Barack Obama: o primeiro negro na Presidência dos EUA


O presidente Barack Obama chegou à Presidência aos 47 anos e foi reeleito quatro aos depois

Porto Velho, RO - O ano era 2004. Os Estados Unidos travavam duas guerras no Oriente Médio que se tornavam mais difíceis e sangrentas a cada dia. A mais recente, no Iraque, havia sido iniciada pelos americanos para eliminar armas de destruição em massa que ninguém mais acreditava que existissem. Na cidade de Boston, no fim do mês de julho, o Partido Democrata realizava sua convenção para lançar oficialmente a candidatura de John Kerry à Presidência.

Durante o evento, surgiu pela primeira vez para o grande público americano um jovem advogado e candidato a senador pelo Estado de Illinois, de 42 anos - "magro e com um nome engraçado", como ele se descreveria. Em pouco mais de 15 minutos, Barack Hussein Obama, ou simplesmente Barack Obama, cativou os presentes como poucos oradores eram capazes de fazer.

"Quando nós enviamos nossos jovens homens e mulheres a situações de perigo, nós temos uma obrigação solene de não maquiar os números ou esconder a verdade sobre por que eles estão indo", disse Obama em seu discurso, numa clara referência à Guerra do Iraque. A oposição ao então governo de George W. Bush, no entanto, não foi o que marcou a primeira fala de Obama de alcance nacional. Foi sua crença na possibilidade de união. "Não existe uma América liberal e uma América conservadora, existem os Estados Unidos da América. Não existe uma América negra e uma América branca, uma América latina e uma América asiática, existem os Estados Unidos da América."




O empolgante discurso de Obama na convenção democrata de 2004 o tornou conhecido nacionalmente


A resposta dos presentes foi eufórica, e ficou claro que os democratas tinham um possível novo líder para o futuro. Depois que John Kerry foi derrotado por Bush nas urnas e Obama iniciou sua carreira no Senado, muitos passaram a crer que esse futuro poderia ocorrer mais cedo. Quatro anos e meio mais tarde, Obama se tornaria o 44º Presidente dos Estados Unidos, o primeiro negro no comando da maior potência do planeta.


Uma candidatura antecipada


Em maio de 2006, o músico canadense-americano Neil Young lançou o álbum Living With War (Vivendo Com a Guerra), repleto de críticas à guerra no Iraque e ao governo Bush. Na faixa Lookin' for a Leader, Young diz que os Estados Unidos precisam de um novo líder e lista algumas opções. "Talvez seja Obama / Mas ele pensa que ele é jovem demais", dizia um dos versos. Essa era a avaliação de muitos na época: um dia o cativante e jovem senador seria um ótimo presidente, mas ainda era muito cedo. Além disso, o Partido Democrata tinha uma senadora mais experiente e influente interessada na candidatura a presidente, a senadora e ex-primeira-dama Hillary Clinton.



A campanha de Obama movimentou especialmente a comunidade negra e o público jovem americano

No início de 2006, Obama indicava que não se candidataria a presidente no pleito de 2008. Sua ascensão nas bases do Partido Democrata, no entanto, parecia difícil de ser contida. Em outubro de 2006, o senador lançava seu segundo livro, A Audácia da Esperança - Pensamentos sobre a Recuperação do Sonho Americano, o que o colocou em destaque na mídia, com entrevistas em revistas, jornais e canais de televisão. A empolgação em torno de seu nome crescia em grande parte do país, tanto que ele passou a admitir a possibilidade de disputar a Casa Branca. "Eu ainda não tomei uma decisão de me candidatar a um cargo superior, mas é verdade que eu pensei nisso nos últimos meses", disse Obama, cujo mandato de senador só terminaria em 2011.

Sua popularidade crescia a olhos vistos, e a possibilidade tornou-se fato em 10 de fevereiro de 2007. Na cidade de Springfield, em Illinois, Estado que representava no Senado, Barack Obama anunciou sua candidatura a presidente. "Eu reconheço que exista uma certa presunção - uma certa audácia - neste anúncio. Eu sei que eu não passei muito tempo aprendendo como as coisas são em Washington. Mas eu estive lá o tempo suficiente para saber que a forma como as coisas são em Washington precisa mudar", afirmou em sua fala, repleta de chamados por mudança. "Sejamos a geração que deixa futuras gerações orgulhosas do que nós fizemos aqui."


Os discursos de Obama em 2008 atraíam enormes multidçoes, como em Indianápolis

Contra sua adversária nas primárias democratas, Hillary Clinton, Obama representou a força do novo contra a política tradicional praticada em Washington. Na chamada Super Tuesday da disputa, em fevereiro de 2008, Obama discursou em Chicago apostando nessa diferença. "Neste outono, nós devemos ao povo americano uma escolha de verdade. É mudança contra mais do mesmo. É o futuro contra o passado."

Como fazia com frequência, Obama lembrou que havia se oposto à invasão do Iraque, ao contrário de Clinton, que como senadora aprovara a operação militar. Desse discurso, saiu uma das falas mais memoráveis do futuro presidente americano. "A mudança não virá se nós esperarmos por alguma outra pessoa ou algum outro tempo. Nós somos aqueles por quem nós temos esperado. Nós somos a mudança que nós buscamos."

Depois de uma disputa acirrada e às vezes raivosa, Obama sagrou-se vencedor. Em 7 de junho, a senadora Clinton admitiu a derrota e prometeu trabalhar pela eleição do candidato democrata. "Hoje eu me coloco ao lado do senador Obama para dizer 'Yes, we can' (Sim, nós podemos)", afirmou Clinton, repetindo o slogan de campanha do agora ex-adversário. Estava praticamente selado o destino das eleições presidenciais americanas de 2008. Com um governo abalado pela impopular guerra no Iraque e a gigantesca crise financeira daquele ano, a vitória da oposição era quase certa. O candidato republicano, senador John McCain, não foi páreo para a plataforma de mudança e o carisma do democrata. Em novembro, com uma vantagem de 192 votos no Colégio Eleitoral e 52,9% dos votos totais, Barack Obama foi eleito presidente dos Estados Unidos. O filho de um imigrante queniano com uma americana branca seria o primeiro afro-americano a ocupar a Casa Branca.



Obama esteve acompanhado de sua mulher, Michelle, e suas duas filhas na cerimônia de posse de 2009

A posse de Obama entrou para a história por vários motivos. Ele era o primeiro presidente americano negro, um jovem político de 47 anos. Havia obtido a indicação do Partido Democrata enfrentando forças tradicionais dentro da agremiação e derrotou o partido que estava no poder prometendo um mar de mudanças. O movimento que o levara à Presidência envolvera especialmente jovens e foi o primeiro esforço político de grande impacto a utilizar as armas da internet - e as então novas redes sociais. Obama era o primeiro político americano tipicamente do século 21.

Sua posse em Washington teve a presença de uma multidão avaliada em centenas de milhares de pessoas. Beyoncé cantou o hino americano, e Aretha Franklin interpretou America (My Country, 'Tis of Thee) - antigo hino que usa a mesma melodia do hino britânico God Save the Queen. Para os Estados Unidos, particularmente para a comunidade negra americana, foi um momento inesquecível.


A economia


A expectativa e a importância histórica que acompanharam a eleição de Barack Obama eram tão grandes quanto a pressão sobre o novo presidente. Sua mais importante tarefa era retirar a economia do atoleiro em que estava devido à crise financeira. O PIB (Produto Interno Bruto) americano vinha em declínio desde o início de 2008, tendo desabado no último trimestre do ano. Não precisou, porém, terminar o ano para que a recessão no país fosse oficializada. Em 1º de dezembro, o Departamento Nacional de Pesquisa Econômica, grupo privado de economistas encarregados de identificar ciclos na atividade nacional, disse que os Estados Unidos estavam em recessão desde dezembro de 2007. A queda em 2008 acabou sendo de -0,14%, com uma curva ainda mais forte para baixo em 2009.



Obama aumentou os esforços iniciados por Bush para salvar a indústria automobilística

Obama não perdeu tempo. Em dezembro o Federal Reserve (banco central americano) já reduzira a taxa de juros anual para 0,25%, a menor na história do país, então o novo governo acreditava que não havia mais o que ser feito em termos de política monetária. Era necessária uma intervenção direta, com um grande estímulo do Estado, por meio de cortes de impostos, auxílio desemprego, aumento na oferta de crédito e outras medidas. Em 17 de fevereiro de 2009, o novo presidente assinou um pacote de ajuda para reativar a economia americana no valor de US$ 787 bilhões. Apesar de astronômico, o valor poderia ter sido maior, segundo alguns argumentam.

Em 2013, a ex-chefe do Conselho de Conselheiros Econômicos no início da gestão Obama, Christina Romer, disse que o número que ela considerava necessário na época era de US$ 1,8 trilhão. "Uma ajuda ainda maior certamente teria sido melhor." Segundo ela, o montante ideal não era politicamente viável. Barack Obama começava então seu governo já sabendo que teria sempre que equilibrar as necessidades do país, suas intenções como presidente e o que seria possível politicamente, considerando as outras forças em jogo - do mercado financeiro ao Congresso americano.

O governo Obama também ampliou o esforço iniciado por George W. Bush para salvar uma indústria simbólica para os americanos: o setor automotivo. As três principais fabricantes de veículos dos país, General Motors, Chrysler e Ford, já sofriam de diferentes males antes da crise financeira. Com a recessão histórica que assolava os Estados Unidos, a sobrevivência do setor, especialmente de GM e Chrysler, estava ameaçada. Bush forneceu então uma ajuda de US$ 17,4 bilhões, para as duas montadoras, que foi multiplicada por Obama.



Nos primeiros dois anos de governo, a economia foi a principal preocupação doméstica de Obama

No início de 2019, o novo presidente transformou o auxílio num verdadeiro resgate, injetando dinheiro nas empresas em troca de suas ações. Na prática, a GM, seu braço financeiro GMAC e Chrysler foram nacionalizadas, a um custo inicial de US$ 80,7 bilhões. A Ford, que não participou do resgate, recebeu posteriormente US$ 5,9 bilhões em empréstimos do governo.

Tirar o país da recessão foi a principal missão do primeiro ano de Obama na Casa Branca. Suas ações começaram a dar resultado já no terceiro trimestre de 2009. Segundo balanço feito pelo site The Balance, com dados do Departamento de Orçamento do Congresso, a economia americana cresceu 1,7% de julho a setembro e 3,8% no último trimestre - aliviando o impacto da queda de 6,7% nos primeiros três meses do ano. O primeiro ano de Obama na Presidência registrou uma variação negativa do PIB de -2,54%, mas o país voltou a crescer em 2010, um aumento de 2,56%. O ciclo positivo continuou em 2011, com crescimento de 1,55%, e 2012, com 2,25%.


Sucesso global, Nobel precipitado


Depois de oito anos de unilateralismo e das aventuras militares de George W. Bush, o mundo - ou sua maioria - recebeu Barack Obama de braços abertos. Na Europa, mesmo antes de vencer a disputa presidencial, Obama já tinha status de astro. Em julho de 2008, em meio a sua campanha contra o republicano John McCain, o então candidato democrata esteve no Velho Continente e fez um discurso na capital da Alemanha, Berlim. Falou diante de cerca de 200 mil pessoas, e defendeu uma maior aproximação entre Estados Unidos e Europa. O clima no evento, segundo o correspondente da BBC News, não lembrava a visita de um político estrangeiro. "A aparição de Obama no parque Tiergarten teve um ar de concerto de rock.



Em 2009, Obama fez no Egito um de seus mais importantes discursos, ao se dirigir à população árabe

Já na Presidência, ele fez um discurso de importância ainda maior, embora de efeitos incertos. Em junho de 2009, Barack Obama falou no teatro da Universidade do Cairo, no Egito, para uma atenta plateia que em sua chegada ao palco o aplaudiu de pé. Sua mensagem, porém, exposta num discurso de 55 minutos, era endereçada a um público muito maior: os 1,5 bilhão de muçulmanos no mundo todo.

"Eu vim aqui para buscar um novo começo entre os Estados Unidos e muçulmanos do mundo todo, baseado no interesse e respeito mútuos. E baseado na verdade de que a América e o Islã não são exclusivos", afirmou o presidente, que concluiu com um chamado por uma convivência pacífica entre os povos. "O povo do mundo pode viver junto, em paz. Nós sabemos que essa é a visão de Deus. Agora, isso precisa ser o nosso trabalho aqui na Terra."

A reação entre a nação muçulmana foi mista. O governo iraquiano recebeu bem as palavras do presidente, e a liderança do grupo islâmico palestino Hamas disse que elas eram bem-vindas, mas precisavam ser acompanhadas de ações. A Autoridade Palestina gostou do que ouviu, mas o grupo libanês Hezbollah chamou a intervenção de "sermão de que o Mundo Islâmico não precisa". A Irmandade Muçulmana, movimento islamista egípcio, chamou a fala de Obama de um "exercício de relações públicas", e o aiatola Ali Khamenei, líder supremo do Irã, disse que a imagem americana não será mudada apenas com "discursos e slogans".



Obama recebeu seu prematuro Nobel da Paz das mãos do presidente do comitê, Thorbjoern Jagland, em 2009

Houve quem ficasse particularmente convencido pelas palavras de Obama, não apenas as ditas no Cairo, mas as ouvidas por todo aquele ano: o comitê do Prêmio Nobel. Em outubro, quando o presidente ainda tinha menos de nove meses no cargo, Barack Obama foi anunciado como vencedor do Nobel da Paz de 2009. O anúncio, recebido com surpresa no mundo todo, deixou o próprio presidente aparentemente constrangido. Em pronunciamento na Casa Branca no mesmo dia, disse estar "surpreso" e que não considerava merecer estar ao lado de algumas "figuras transformadoras" que receberam o prêmio. Em 10 de dezembro, Obama recebeu o prêmio numa cerimônia em Oslo, na Noruega. Em 2015, Geir Lundestad, ex-secretário do Nobel, disse que a escolha visava fortalecer Obama, mas admitiu que o comitê fracassou nessa intenção. "Mesmo muitos dos apoiadores de Obama acreditaram que o prêmio foi um erro."


Iraque, Afeganistão e bombardeios



A principal tarefa do presidente, agora Nobel da Paz, para o Oriente Médio e o mundo muçulmano era encerrar suas operações militares no Iraque e no Afeganistão, iniciadas por seu antecessor. Depois de um pico com 170 mil soldados no país em 2007, os americanos começaram a reduzir sua presença no Iraque ainda no governo de George W. Bush. Sob Obama, em meio a uma redução da violência no Iraque, essa retirada se acelerou, levando ao fim das operações de combate envolvendo americanos em 2010. "A missão americana de combate no Iraque chegou ao fim. A Operação Liberdade Iraquiana acabou, e o povo do Iraque agora tem a principal responsabilidade pela segurança de seu país", disse Obama, em pronunciamento na televisão, em 31 de agosto de 2010. Em dezembro de 2011, os últimos 500 soldados dos Estados Unidos deixariam o país.


O ano de 2011 registrou outro marco importante para a biografia de Barack Obama. Para um presidente conhecido por seu desejo de encerrar guerras e promover a paz, era importante para ele mostrar-se capaz de ir atrás do inimigo. Foi o que ele fez com Osama bin Laden, o chefe da rede extremista Al-Qaeda. Em maio, o líder da Al-Qaeda foi finalmente encontrado, quase dez anos depois do 11 de Setembro. Bin Laden estava numa área de alto padrão na cidade de Abbottabad, no Paquistão, a 120 quilômetros da capital, Islamabad, numa construção fortemente protegida. Sem avisar o governo paquistanês, forças especiais da Marinha dos Estados Unidos, conhecidas como SEALs, partiram em helicópteros saídos do Afeganistão. Pouco depois da 1h do dia 2 de maio, invadiram o local e mataram Bin Laden a tiros.



A morte de Bin Laden foi uma vitória de Obama, cujo anúncio da notícia foi visto por tropas no Afeganistão


A morte de Osama bin Laden foi anunciada pelo presidente Barack Obama horas depois. Ainda na noite do dia 1º, pelo horário de Washington, Obama falou à nação: "Nesta noite, eu posso informar o povo americano e o mundo que os Estados Unidos conduziram uma operação que matou Osama bin Laden, o líder da Al-Qaeda". Foi um momento de glória para o presidente. Como disse uma análise publicada no diário The Washington Post, o anúncio da morte de Bin Laden "representa uma enorme vitória em segurança nacional para os Estados Unidos e um marco histórico para este governo". Também mostrou que Washington podia ter perdido o entusiasmo por guerras e invasões, mas era capaz de agir pontualmente com extrema eficiência para alcançar um objetivo.


A eliminação de Bin Laden foi uma grande vitória de Obama, mas a guerra iniciada por causa dele continuava. Em dezembro de 2009, enquanto se preparava para buscar o Nobel da Paz na Noruega, Obama anunciou o envio de mais 30 mil soldados ao Afeganistão, mantendo o progressivo aumento de forças registrado naquele ano. O Taliban, dizia ele, havia avançado no país e precisava ser contido. Em maio de 2010, já havia 94 mil soldados americanos no Afeganistão, 2 mil a mais que no Iraque. A guerra americana em solo afegão continuou por vários anos, ao contrário do que prometera Obama, e a saída americana foi sendo constantemente adiada.



O ataque na Líbia, com a morte do embaixador americano, desgastou Obama e sua secretária Hillary Clinton

Além do Afeganistão, um tema que parecia resolvido voltaria a assombrar o presidente: o Iraque. Em janeiro de 2011, o Oriente Médio foi tomado pela chamada Primavera Árabe - uma série de levantes populares contra regimes autocráticos na região. Os ditadores de Tunísia e Egito foram derrubados, e o Ocidente - a aliança militar Otan, sob a liderança de Reino Unido e França - usou bombardeios aéreos para ajudar a revolução na Líbia.

A situação na Líbia mostrou-se muito mais complexa e difícil do que Washington, Londres ou Paris imaginavam. Não se tratava apenas de derrubar um ditador - no caso, o coronel Muammar Gaddafi - e substituí-lo por um regime democrático. Entre os que ajudaram vencer o regime estavam grupos radicais islamistas. Em 2012, no dia 11 de setembro - aniversário dos ataques em Nova York e Washington, em 2001 -, a embaixada dos Estados Unidos na cidade líbia de Benghazi foi atacada. Quatro pessoas, incluindo o embaixador americano, foram mortas. O grupo Ansar al-Sharia foi acusado de organizar o ataque, mas inicialmente o governo americano disse que o incidente havia sido espontâneo. Hillary Clinton, que ocupava o posto de Secretária de Estado, desgastou-se com o episódio.

Na Síria, a Primavera Árabe teve outra consequência ainda mais grave: uma sangrenta e duradoura guerra civil, que permitiu o avanço do temido grupo jihadista Estado Islâmico no Iraque e na Síria, ou Isis. Com o caos na Síria, em 2014 o Isis dominou parte do território sírio e do Iraque e declarou um califado - um "Estado Islâmico", ou EI - , que ameaçava a própria existência dos dois países. Essa reviravolta tornou Obama alvo de críticas.



A volta para casa das tropas que estavam no Iraque cumpriu uma promessa de campanha, mas também gerou críticas

A retirada das tropas americanas do Iraque, elogiada e desejada anos atrás, passou a ser vista por alguns como precipitada. Segundo os críticos do presidente, a saída abriu terreno para o avanço do chamado Estado Islâmico. Em 2016, um novo nome da política americana foi além, dando o tom de como a política americana evoluiria nos anos seguintes. Já indicado pelo Partido Republicano para disputar a Presidência, Donald Trump chamou o presidente Obama de "fundador do Isis". "Ele foi o fundador. A forma como ele saiu do Iraque foi a fundação do Isis", afirmou Trump.

Desde 2014, os Estados Unidos, o Reino Unido e a França já bombardeavam posições do EI, na Síria e no Iraque - o que a Rússia também fazia em território sírio. Com o tempo o chamado Estado Islâmico foi perdendo terreno, e em 2017 o governo iraquiano conseguiria expulsar o grupo das principais cidades que havia tomado - como Falluja e Mosul. Na Síria, também em 2017 o EI perderia o controle do terreno que tinha e seria derrotado. Um ano antes disso, porém, o legado de Obama estaria em jogo nas urnas, na tentativa de sua colega de partido Hillary Clinton de se tornar sua sucessora. No caminho, estava a reação conservadora contra o presidente.


A reação conservadora

Barack Obama foi reeleito, para mais quatro anos na Casa Branca, em 6 de novembro de 2012. Seu adversário, o ex-governador de Massachusetts Mitt Romney, representava mais o enfraquecimento de seu partido como força eleitoral do que uma reação ao fenômeno Obama. O presidente venceu a disputa com 51,5% do voto popular e uma diferença de 126 votos no Colégio Eleitoral. A boa fase de Obama e dos democratas nas urnas, entretanto, parou ali.



Em 2012, Obama e Biden foram reeleitos para mais quatro anos, mas os EUA continuavam divididos

Em 2014, a reação conservadora que era latente em partes do país transformou-se numa enorme demonstração de força. Os republicanos, que já haviam tomado o controle da Câmara dos Representantes em 2012, conquistaram também o Senado. Apesar da recuperação econômica e da constante queda do desemprego, a popularidade de Obama em 2014 estava baixa - segundo o Instituto Gallup, apenas 40% aprovavam seu governo, contra 54% que o reprovavam.

Além da economia, o combate ao grupo Estado Islâmico não era bem avaliado pelos americanos. A opinião pública também não estava convencida dos benefícios do chamado "Obamacare", a legislação que previa a expansão da cobertura de planos de saúde para a população. Segundo uma pesquisa do Washington Post e da rede ABC, 47% dos ouvidos diziam que a nova lei havia feito seus custos com saúde aumentarem, contra apenas 7% que diziam que haviam baixado - para 41%, eles continuavam no mesmo nível.

O resultado das urnas em 2014 tornou difíceis os últimos dois anos de Obama na Presidência e indicou um desafio grande na batalha por sua sucessão. Para surpresa geral, Donald Trump, empresário e apresentador de um programa de "reality TV", conseguiu a indicação do Partido Republicano e apresentou-se como um "anti-Obama", atacando o presidente de todas as formas. Desde 2010, Trump alimentava a preconceituosa e mentirosa tese de que o presidente Obama, natural do Estado americano do Hawaii, não havia nascido nos Estados Unidos. Posições como essa ajudaram Trump a se consolidar como uma voz representativa da extrema-direita, que já ganhava força em seu partido dentro do movimento Tea Party.



Donald Trump surpreendeu ao se tornar o candidato republicano, mostrando a força da reação conservadora a Obama

Na campanha eleitoral, Trump usou como pôde seu argumento de que Obama havia abandonado o Iraque e, com isso, permitido o avanço do chamado Estado Islâmico. Do outro lado da disputa estava Hillary Clinton, que em 2012 havia ficado desgastada pelo episódio de Benghazi, na Líbia. Em sua segunda tentativa de chegar à Presidência, a ex-primeira-dama, ex-senadora e ex-secretária de Estado tinha agora Barack Obama do seu lado, mas a reação conservadora mostrou-se mais forte onde interessava: o Colégio Eleitoral. Clinton recebeu quase 3 milhões de votos a mais que Trump, mas ficou com 77 votos a menos no Colégio Eleitoral. Depois de fazer história em 2008, Barack Obama não conseguiu garantir um sucessor do seu partido. O público americano optou por mudança.


Finalmente, um sucessor

Em novembro de 2020, Obama lançou o primeiro volume de suas aguardadas memórias, A Promised Land (Uma Terra Prometida). De acordo com informações divulgadas antes do lançamento, no livro o ex-presidente escreveu sobre a reação conservadora contra seu governo representada por Donald Trump. Para Obama, esse movimento teve cunho racial. Trump, escreveu ele, "prometeu um elixir para a ansiedade racial" de "milhões de americanos assustados com um negro na Casa Branca", antecipou o jornal britânico The Guardian. "Foi como se a minha própria presença na Casa Branca tivesse disparado um pânico profundamente arraigado de que a ordem natural havia sido desfeita."



Obama foi figura importante na vencedora campanha de Joe Biden, que impediu um segundo mandato de Trump

Dias antes do lançamento do livro de Obama, o eleitorado dos Estados Unidos repetiu a escolha de quatro anos antes: votou novamente por mudança. Rejeitou a retórica e a política de Donald Trump, que buscava a reeleição, e colocou em seu lugar o senador Joe Biden, que por oito anos fora vice-presidente de Barack Obama. Numa disputa apertada, que contou com a recusa de Trump em reconhecer o resultado, Biden, aos 77 anos de idade, obteve quase 80 milhões de votos - um recorde histórico e 5 milhões a mais que o presidente. No Colégio Eleitoral, chegou a 306 votos, recuperando Estados como Michigan e Pennsylvania para os democratas e conquistando os tradicionais redutos republicanos do Arizona e da Geórgia.

Barack Obama foi figura presente na campanha de Biden, aparecendo a seu lado em várias ocasiões. Com quatro anos de atraso, ele finalmente conseguiu eleger um sucessor, na figura de seu ex-companheiro de governo. A chegada de Joe Biden à Casa Branca representou a recuperação da ideia de união nacional de Obama, contra a retórica agressiva e divisionista de Trump. Em suas falas, Biden recuperou o argumento apresentado por Obama em 2004, dizendo que "não existem Estados vermelhos (republicanos) ou azuis (democratas), existem os Estados Unidos". O discurso de Barack Obama voltou a vencer.

Este artigo é parte da série "21 Histórias que Marcaram o Século 21".

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